domingo, 11 de abril de 2010

Dúvidas - episteria episterizada episterizando‏

Thiago, você poderia por favor me emprestar para ler e fotocopiar os seguintes textos: Laraia (2009 p. 92) e Sahlins (1979 p. 78-86), pois é neles que está que: “Há povos que cortam as freqüências de modos variados: por exemplo vêem cinco ao invés de sete cores no arco-íris”.

Alguém poderia me ajudar a compreender:


a seguinte frase:

“O perspectivismo afirma a verdade do relativo, o relativismo afirma a relatividade do verdadeiro.”


o seguinte fragmento:

Toda “natureza” faz parte de uma “cultura”, isto é, cada cultura tem a natureza que lhe cabe enquanto dimensão imanente de sua própria capacidade criativa; mas essa dimensão é necessariamente projetada pela cultura para fora de si mesma, como transcendência que a circunscreve desde um exterior que precisa pôr essa cultura, da qual a natureza é apenas um aspecto, em “algum lugar”. Então, é obrigada a reinventar uma outra natureza que esteja acima e fora da cultura, que possa conter, ao mesmo tempo, a cultura e a natureza dessa cultura: uma super- ou sobre-natureza – no duplo sentido. Mas então imediatamente começa a se desenhar em pontilhado uma super-cultura que contém a super-natureza que contém a cultura e a natureza; e assim por diante, ad infinitum. Em suma, o paralogismo da regressão ao infinito.


Mari, relembrando sua fala:


“(...) a situação de internamento e de tutela imposta ao alienado desde o fim do século XVIII, sua total dependência em relação à decisão médica contribuíram, sem dúvida, para fixar, no fim do século XIX, o personagem do histérico. Despossuído de seus direitos pelo tutor e pelo conselho de família, caído praticamente no estado de menoridade jurídica e moral, privado de sua liberdade pela onipotência do médico, o doente tornava-se o núcleo de todas as sugestões sociais.” (MOUTINHO, Luiz Damon Santos. Humanismo e anti-humanismo: Foucault e as desventuras da dialética. São Paulo: Revista: Natureza Humana, vol.: 6, nº 2, 2004. p. 188)


Outras dúvidas:


  • O que significa pensar uma experiência sem sujeito?

  • O que significa o mito da positividade?

  • O que é a mente? É corpórea da mesma natureza que é o corpo?

  • Existe alma?

  • O que é a realidade?

  • Como pensar a infinitude como abertura do espaço, sem incorrer em aporias?

  • Como pensar eternidade como abertura temporal, sem incorrer em aporias ?

  • O clinamen é um conclusão ou um artifício teórico para explicar a liberdade?

  • O nada, tido como vazio absoluto existe? Se não existisse não poderia haver partes, logo movimento ?

  • Existe o não-divisível?

  • Todos os cortes (ordenação, distinção, organização, separação, esquadrejamento, determinação, divisão e limitação) na natureza são construções arbitrárias ou são constatações que a natureza nos permite distinguir? A natureza é caos (informe, indeterminada, sem divisas ou limites) ou cosmo? Se é cosmo tem dobras, se é caos os cortes são arbitrários. Se a natureza é múltipla, como é possível, verificar e testar exaustivamente inúmeras regularidades, mesmo reconhecendo que são aproximações. Porém com precisões que nos permitem prever eclipses com décadas de antecedência, “colocar” satélites em órbitas,...

  • Não há uma essência humana que faça do humano um humano? Não há uma natureza humana universal? Não há uma unidade biológica do homem, um corpo universal no sentido de que somos todos feitos de átomos, de carbono, de DNA etc.?

  • A cor, o doce, o amargo são convenções?



Antônio Marques.

6 comentários:

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  2. Saudações

    Antônio tu és o maior intusiasta do Episteria (a partir da experiência que me possibilita), tuas angustias catalizam e muito as minhas perplexidades. Vou entrelaçar as palavras que me perpassam em meio as palavras que te perpassaram.

    Thiago Rodrigo Oliveira Costa - Meryver

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  3. É, Antônio, você tocou em pontos fortes e, o que é mais rico, internos a proposta do famigerado perspectivismo ameríndio. Em outras palavras, suas críticas vêem de dentro; aparenta-se que você se esforçou para pensar a partir dos índios e não sobre os índios. E a prova disso é que você demonstra estar perplexo, chaqualado e - se me permite o exagero - até abalado com esses outros mundos possíveis. Para mim, o ato de conhecer é entremeado por essas experiências.

    Não me atreveria a responder a suas perguntas, mas me disponho a deslocar meu ponto de vista a partir delas. Ou, parafraseando Deleuze, "o importante não é responder as perguntas, mas sim sair delas". Vejamos a que me cabe:

    • a seguinte frase:

    “O perspectivismo afirma a verdade do relativo, o relativismo afirma a relatividade do verdadeiro.”

    Ao afirmarmos a verdade do relativo imbuímos nessa sentença o pressuposto de que a verdade se fundamenta em algo (terminológico e substancializado) que independe dos sujeitos e das coisas que compõem (aí é pertinente as contribuições de Gabriel Tarde) as relações. Dito de outro modo implica que - como eu já havia discutido contigo em outras oportunidades - a verdade faça parte de um sistema em que o acesso é limitado a um observador externo e que (ainda que outrxs tenham acesso por meio de representações) este mesmo observador tem um acesso privilegiado a ela. O jogo funciona como se apenas alguns observadores, dotados de um ponto de vista particular e moralmente melhor, pudessem acessar, com vantagem inigualável, o mundo (no singular) que todos (no plural) experimentam. O singular se restringiria ao perímetro da objetividade, da transcendência e da permanência: o dito mundo natural (sem pejorativismos ou aspas). Por outro lado, o plural seria acessível a todxs, pois seria subjetivo, imanente e em constante transformações passíveis de serem representadas: as representações culturais ou simbólicas.

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  4. Para iniciar a defesa da segunda sentença, digo, a da verdade do relativo, proponho uma provocação: e se partíssemos de uma objetividade relativa [tal qual Roy Wagner (1981:2)]? Agora - ponto importante! -, relatividade aqui se insere não como individual, mas sim relacional (salve o estruturalismo!). Isto não significa uma objetividade menor (porque deficiente), isto é, subjetiva ou parcial, e nem uma objetividade idiossincrática, porque restrita a recortes arbitrários de sujeitos culturais; mas uma objetividade intrinsecamente relacional, composta nas relações. Roy Wager pode me dar uma força no argumento:

    “A idéia de cultura […] coloca o pesquisador em posição de igualdade com aquele que ele pesquisa: ambos ‘pertencem a uma cultura’. Como cada cultura pode ser vista como uma manifestação específica […] do fenômeno humano, e como jamais se descobriu um método infalível de ‘graduar’ diferentes culturas e arranjá-las em tipos naturais, assumimos que cada cultura, como tal, é equivalente a qualquer outra. Tal postulado chama-se ‘relatividade cultural’. […] A combinação dessas duas implicações da idéia de cultura, isto é, o fato de que os antropólogos pertencemos a uma cultura (objetividade relativa) e que somos obrigados a postular que todas as culturas se equivalem (relatividade cultural), leva-nos a uma proposição geral a respeito do estudo da cultura. Como atesta a repetição da idéia de ‘relativo’, a apreensão de outra cultura envolve o relacionamento [relationship] entre duas variedades do fenômeno humano; ela visa a criação de uma relação intelectual entre elas, uma compreensão que inclua a ambas. A idéia de ‘relacionamento’ é importante aqui porque é mais apropriada a essa aproximação de duas entidades (ou pontos de vista) equivalentes que noções como ‘análise’ ou ‘exame’, que traem uma pretensão a uma objetividade absoluta” (Wagner 1981:2-3).

    Sendo, pois, segue-se que o modo de levar a sério o ponto de vista nativo implica numa recusa da vantagem epistemológica que temos - já de saída -em relação aos nossos anfitriões em nossos trabalhos de campo. É justamente nesse quesito que eu acredito válida as contribuições da filosofia da diferença de Deleuze, pois nesse novo jogo antropológico recusa-se, num só tempo, tanto o dispositivo hermenêutico que pressupõe que as outras culturas sejam textos passíveis de serem interpretados e identificados pela cultura do antropólogo; quanto o dispositivo lógico da epistemologia naturalista, que por sua vez se assenta numa natureza única compartilhada e que, apoiado nesse ponto de apoio de Arquimedes (Dêem-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo!), tem a possibilidade de explicar o mundo do outro. Como diria Viveiros de Castro (2002: 16), no perspectivismo ameríndio não se explica nem se interpreta, mas sim se experimenta os outros mundos possíveis. Se toda tradução é traição, no perspectivismo o traído não é mais aquele que é pensado, mas sim a(s) natureza(s) cultura(s) daquele que pensa.


    ***


    As outras questões que você coloca são tão ou mais instigantes que essa. Todavia não terei tempo de sair delas agora. Deixo para xs outrxs companheirxs.

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  5. Muito bom, que experimento!, dá água na boca!

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  6. São irredutivelmente muitos os mundos por experimentar, muitos os mundos experimentados e muitos os em experimentação. Contudo, tal multiplicidade irredutível de mundos não os impede de ser uma só, e mesma, ZONA MÚLTIPLA de experimentação. Unidade e multiplicidade não são excludentes, creio que se co-habitem, co-penetrem, co-transem e finalmente co-gozem num êxtase cósmico. Puro desejo e nada mais! A contaminação dos corpos que se engendram, se enrabam, ...

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