terça-feira, 8 de junho de 2010

Caminhos para a outra margem além da dor: A busca pela felicidade - Abayomi Mandela

Na pista

pela vitória,

pelo triunfo.

Conquista!

Se é pela glória

Uso meu trunfo, Tio!

A rua é nóis!

Gostarmos de nóis!

Brigarmos por nóis!

(E.M.I.C.I.D.A.)



Quando tentei na semana passada seguir as orientações da minha professora de projeto 3 sobre gênero e raça na Faculdade de Educação da unb para que escrevêssemos sobre alguma experiência de discriminação racial ou de gênero que tenhamos vivenciado não consegui pensar em nada para escrever. Não consegui lembrar por que acredito que seja até mesmo um mecanismo de defesa não guardar todas as experiências de preconceito que acontecem com a gente cotidianamente. Se a gente for cair nessa de guardar toda a mágoa no mais superficial da nossa mente não ia sobrar espaço para pensar em mais nada das nossas vidas. Coloquei no texto algo bem genérico do tipo “já vivi tantas experiências de preconceito que se fosse contar não caberia nessa folha de papel”. Mas sabia que bastaria esperar um pouco que eu teria alguma história para contar. Infelizmente eu tava certo e esse caso de discriminação possui os dois componentes temáticos da matéria.

No sábado de manhã eu tenho aula de inglês nos pavilhões da UNB e como moro na casa dos estudantes sempre vou ou de bicicleta ou a pé para a aula. Nesse sábado tava indo a pé e como estava um pouco atrasado resolvi fazer um caminho um pouco diferente do caminho que sempre faço. Invés de subir até o minhocão da UNB e ir para os pavilhões resolvi ir cortando caminho por perto da biblioteca. Na minha frente tinha uma mina fazendo o mesmo caminho que eu e andando também bem apressada. Como eu tenho as pernas um pouco maiores que as delas e como, acredito, tenho mais costume de andar do que ela, apesar de ela estar muito na minha frente, rapidamente eu estava me aproximando dela.

Na frente da biblioteca a gente já estava bem perto um do outro. Ela pegou o caminho cimentado que é um pouco mais comprido e eu cortei caminho pelo meio do gramado. Nesse momento nós dois conseguimos nos olhar de frente e íamos nos encontrar exatamente no local onde o caminho gramado acabava. O que aconteceu nesse momento foi bem nítido. A mina simplesmente deu meia volta e começou a andar na mesma velocidade para o lado oposto ao que ela estava indo. Po, vai ver que ela tinha esquecido que não era para aquele lado que ela ia mesmo ou que o caminho talvez não a levasse para onde ela queria ir. Né?

Bom, só sei que na hora deu pra perceber que ela deu meia volta por que achou de duas uma. Ou que eu ia tentar roubá-la ou que ia tentar estrupá-la (isso me veio na cabeça um pouco pela onda que ta rolando na UnB esse semestre depois que uma mina foi estuprada num descampado). Fiquei bem puto e segui em frente até chegar nos pavilhões. Quando cheguei lá, o pavilhão onde sempre rola as aulas tava fechado e minhas aulas seriam, pelo menos naquele final de semana, no outro pavilhão. Nessa de ir de um para o outro, perdi uns cinco minutos mais ou menos. Quando cheguei na frente do outro pavilhão quem eu encontro? A mina que tinha errado o caminho e que tinha achado que aquele caminho que nós dois estávamos seguindo não a levaria para o lugar que ela queria chegar. Com certeza na mente dela deve ter ficado a estranheza de ter me visto por ali. Afinal por que alguém que a estava seguindo e que só não conseguiu roubá-la devido a sua grande esperteza de ter me dado um belo dum drible e me deixado pra trás no meio do caminho estaria fazendo ali no pavilhão onde rola aulas de idiomas para alunos da UnB? Bom, a resposta desse enigma ela vai ter que arranjar sozinha.

Esse é o relato. Mas eu sei que as coisas não são tão simples assim. Como falei mais acima nessa história entram dois componentes distintos que precisam ser analisados. O primeiro é o componente racial e o segundo é o componente de gênero. Sobre o primeiro posso falar com propriedade, pois como já disse, sofro constantemente os efeitos desse tipo de ação. Sobre o segundo é muito difícil fazer uma avaliação sobre o que passa na cabeça duma mina que ta andando num Campus universitário gigantesco que não oferece segurança alguma, no qual existe um caso de estupro recente e que o estuprador, até onde eu sei, ainda não foi pego e que para piorar não tem mulheres trabalhando na segurança. A mina com certeza sabe por experiências recorrentes que as ruas não são amigáveis para o seu trânsito por elas, de noite de forma mais aguda mas durante o dia também nada convidativas pois se pode receber cantadas e olhares invasivos, e sabe também que no caso de assaltos elas são as clientes preferenciais.

Sei que na análise sobre o acontecido precisa existir e ser levado em consideração o componente racial. Por que na mente dela eu tenho a imagem pronta e acabada de alguém que a roubaria para comprar maconha. Massa. Beleza. Mas também tem o componente de gênero que para mim é mais difícil de levar em consideração, primeiro por ser homem e não saber por experiência própria o que é ser uma mulher andando na rua e segundo por ter sofrido um ato de discriminação da parte dela o que acaba por turvar meu raciocínio e impedindo de pensar nas coisas todas de uma forma tranqüila. Mas é isso mesmo né, a gente nunca vai ter condições ideais para pensar sobre o mundo. O lance é no meio da guerra e do tiroteio pensar numa saída pacífica que construa e desconstrua em ambas as partes as merdas que o sistema constantemente vai entulhando nossa cabeça e conformando nossas ações.

Não é minha intenção chegar a nenhuma conclusão escrevendo esse texto. longe disso. Só to colocando no papel algumas coisas que pasaram pela minha cabeça depois do ocorrido. Apesar de ter feito muitas ponderações não vou me matar fazendo esforços sobrehumanos para que tudo que eu ecrevi aqui tenha total coerência. Só quero mesmo é compartilhar com algumas pessoas próximas a mim o que penso sobre as merdas do mundo. Espero somente contribuir de alguma forma com as discussões sobre gênero e raça mas sem poder parecer que eu tenha a chave para a resolução dos problemas e sem apontar vilões e sem me colocar como herói ou como vítima da situação. Sou tão responsável como a mina e sofri tanto com o ocorrido como ela sofre. Sofro diretamente o racismo e ela o machismo.

Agora a parte mais trabalhosa. Como fazer para sair do campo do sofrimento e da constatação de que o mundo é uma merda e irmos para a outra margem além da dor. O lado da felicidade. É difícil essa questão por que é bem mais fácil criticar e reclamar do que trabalhar para construir um mundo novo. Mais justo. Com oportunidades iguais e no qual todxs tenham chances iguais de desenvolver suas potencialidades humanas. Um passo que considero vital é descobrir o funcionamento do mecanismo das discriminações e preconceitos que geram os “ismos” que dão sustentação ao capital. Um passo que eu estou dando e que possibilitará que eu dê minha contribuição pessoal para essa caminhada é a participação em um grupo de homens discutindo gênero, relações afetivas não opressoras e o machismo. Uma perspectiva um pouco diferente que me foi proposta por uma amiga quando eu reclamei que as minas não abrem espaço para que os homens pudessem discutir as opressões que as mulheres sofrem. Ela pegou é me disse “Uai, se vocês ‘machos’ querem discutir gênero por que vocês não se organizam para fazer isso, por que as minas têm que ter outra jornada de trabalho para que vocês possam entender a situação?”. Eu e o Arturzinho resolvemos aceitar essa provocação é vamos ver onde isso vai dar.

Agora em relação ao racismo. Bom pelo menos no momento minhas forças estão concentradas na minha vitória dentro da academia. Minha vitória pessoal é também uma vitória política de um projeto coletivo dos mais antigos que abriram caminho para que eu pudesse ter acesso à educação superior. Existem outras formas de atuação propositivas e que fortalecem a luta do povo preto mas no momento essa é a minha prioridade. Como diriam o Dj KL Jay e o Apelidado Xis se inspirando na luta dos Panteras Negras o lance é lutar pelo Poder Para o Povo Preto (4P). Vamos seguindo em frente ampliando as vitórias do nossa gente.